14 de out. de 2013

A DRAG QUEEN DO CIRETRAN

Cada vez que você faz uma opção está transformando sua essência em alguma coisa um pouco diferente do que era antes. [C.S.Lewis]

Na semana passada consegui finalmente ser aprovado no teste de direção para emissão  da minha carteira de motorista, a tão sonhada CNH. Alguns clientes sabiam que ha algum tempo eu já vinha fazendo o processo todo de cursos teóricos, exames e aulas práticas. O que eu não esperava encontrar era alguém conhecido no meio o percurso e de certa forma me intimidar no passo final. Tudo começou a muitos anos atrás, nos meus saudosos 18 anos...

Toda cidade tem lá seus redutos gays que pode ser desde um Trianon como em São Paulo, até um coreto de uma pracinha qualquer numa cidade escondida no mapa. Em São José dos Campos há muitos anos atrás haviam dois lugares bem conhecidos onde essa galera se reunida, um era um bar, chamado Barbados Bar e outro era uma casa noturna chamada Extase Club, ambos redutos perpetuaram por anos mudando de nome várias vezes para driblar os alvarás de abre e fecha da prefeitura municipal.  Tando a casa noturna como o bar eram lugares onde aceitavam todos os tipos de públicos, lolitos que falsificavam seus RGs para entrar na casa, coroas, ursos, enrustidos, mauricinhos, sapatas, travestis  e claro Drag queens que faziam shows performáticos e cômicos. Lembro-me que as melhores drags eram importadas das casas de São Paulo.

Minha primeira aventura num desses guetos foi involuntariamente quando comecei a buscar bico "emprego para fim de semana", para complementar a renda do meu outro emprego durante a semana e por irônia do destino fui trabalhar no como ajudante de bar tender da casa. Meu trabalho consistia em auxiliar o bar men fazendo caipirinhas, servindo doses de uísque  vodka, entre outras bebidas e claro, ficar para abastecer o freezer. Foi nesse período que conheci muita gente, homens, mulheres, travestis e Drag Queens, uma delas era Luciana, na verdade eu não sabia ao certo se Luciana era Drag ou travesti.

Sempre muito magra, alta, olhos grandes, cabelos longos, voz em tom pedante e anasalada, pose de fina e cara blasé  Lucina desfilava montada em seu personagem, mas não fazia shows como as outras, ela apenas circulava com as amigas e como Mary Streep em "O Diabo Veste Prada" jogava sua bolsa, seu casaco para que o atendente da chapelaria os guardasse. Em seguida dirigia-se ao bar e pedia uma dose de vodka com energético sempre preparada pelo barmen da casa com quem ela já tinha alguma intimidade.

Drag Queens por natureza são seres engraçados, espalhafatosos e exuberantes, algumas simpáticas e outras não. No caso de Luciana seu ar era pedante, seu olhar era sempre de cima para baixo e isso de fato me inibia ao ponto de apenas sorrir buscando alguma simpatia de sua alma gélida e implacável. E assim as noites de sábado seguiam Luciana e suas amigas eram presença constante na casa que lotava todos os finais de semana, principalmente em datas comemorativas. Em certo momento da madrugada o movimento no bar apertava e como eu já tinha alguma prática eu passei a ficar responsável pelo bar na parte externa e mais tranquilo e a partir dai com o comando em minhas mãos eu pudia caprichar em algumas doses servindo um pouco a mais e conquistar a simpatia de algumas pessoas, motivo mais do que suficiente para formarem pequenas filas no meu bar. Até que em uma das noites...

Eu quero uma dose de vodka com enegetico. Disse Luciana

Pode deixar, eu faço dela, atende o cara ali. Disse o barmen para mim.

Não! Eu espero. Eu quero que ele prepare a minha. Disse ela apontando para mim.

Tudo bem. Conformou-se o barmen

E a partir daquela noite Luciana passou a me enxergar como um dos mortais presentes na noite. Eu era cumprimentado na chegada e na saída da casa, até que meses depois de lá e segui minha vida.
Anos depois já na pele de Eduardo recebi algumas ligações de um homem com voz anasalada e o tom pedante na fala, prontamente reconheci, era Luciana querendo marcar um programa. O fato é que por telefone ela não vai associar que o moleque cheirando a leite que servia suas doses dela de vodka é hoje Eduardo. Talvez se ela me visse, mas ao telefone seria difícil. Bem, me esquivando eu soube contornar a situação pois ela sempre me liga de madrugada ou em horários impossíveis. 

Voltando ao meu exame prático de direção, depois de todas etapas eu finalmente marquei o teste final e ao chegar no local vejo um rosto conhecido entre a multidão...  Por ironia do destino eis que Luciana mas não na pele da Drag trabalha hoje no Ciretran coordenando entradas e saídas dos carros para o teste de exame prático.  Querendo ou não eu estaria frente a frente com ela por alguns instantes para meu exame e confesso que fiquei apreensivo. 

Bom dia, (Me chamou pelo nome) pode entrar no carro que o examinador já vem. Disse ela me olhando atentamente. 

Na hipótese de haver um olhar atravessado ou mesmo com a remota possibilidade dela descobrir que meu eu mesmo é Eduardo, eu decidi não encara-lá de frente. Sai com o carro seguindo as instruções da examinadora e fui para baliza esquerda, meu pé tremia um pouco, tomei a distancia, dei uma ré, acertei o primeiro ponto no vidro traseiro, virei o voltante três vezes, acertei o segundo ponto no retrovisor do meio e fui entrar com o carro, porém esqueci de devolver duas voltas no volante e encostei na guia. Reprovado!

Sentimento de frustração e raiva se misturaram, mas logo me conformei para fazer a reprova na semana seguinte e enfrentar Luciana novamente. E na semana seguinte lá estava eu, fiquei entre as milhares de pessoas que estavam aguardando o teste. A poucos metros estava Luciana chamando os carros e alinhando para os testes seguintes. Até que chegou minha vez, respirei fundo ao ser chamado, entrei no carro, dei bom dia para Luciana olhando-a nos olhos e aguardei meu avaliador.

Banco ajustado, espelho arrumado, cinto preso, partida dada, seta ligada, freio de mão abaixado, primeira marcha engata e rumo ao teste finallllll...E dessa vez, driblando meu nervosismo apelei para todos os santos na baliza e no percurso, peguei a estrada, acelerei, troquei as marchas, fiz rampa de ré, de frente e completei o percurso com louvor cruzando a linha de chegada... 

Luciana? Ficou por lá, sem salto plataforma, sem maquiagem, sem seus longos cabelos e sem pose blase; vestia apenas jeans e cara estava lavada restando apenas seus grandes olhos. De seu passado só restara lembranças e doses de vodka com energético.

O garoto errado
garotoprivado@hotmail.com

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