24 de ago. de 2015

ANTES... O INÍCIO DO DESPERTAR

Os meses iam passando com as coisas fora do eixo, estudos a mil por hora, coração vazio com um amor arrancado do peito, família em crise, emprego de merda que mal dava para pagar as contas e eu no meio disso tudo, sem tempo para olhar para trás. O que eu perseguia ainda estava fora do meu alcance, por instantes me sentia Alice perseguindo o coelho maluco, eu podia vê-lo mas não alcançá-lo...
Foi nas noites de São Paulo que resolvi abrir minha válvula de escape. O lugar? Talvez nem melhor, nem pior, chamava-se apenas Rua Augusta. Nessa rua, a noite reservava tantas cores e sons que era difícil resistir aos bares e botecos de cada esquina e de certa maneira eu não fiz o mínimo esforço para resistir. Solteiro e querendo viver o que ainda não havia vivido, numa cidade que para mim abrir possibilidades do desconhecido, resolvi mergulhar de cabeça no que eu chamaria de um dos submundos de São Paulo. Eu não sabia de muita coisa, só sabia que era naquele lugar que eu queria me perder um pouco para esquecer meus problemas.

Eram mais de 22h quando eu, Elano e Alê, meninos com quem morava numa república estávamos subindo a rua Augusta olhando o movimento, num bar qualquer paramos para pedir algo para beber. Sentados observávamos uma mulher que falava e gesticulava sem para, nitidamente alterada ela estava praticamente sob efeito de cocaína. Ao nos ver veio até nossa direção e falou algo qualquer que não me recordo, a única cena foi dela pular em minha frente, pegar em meu rosto e dizer. POXA, VOCÊ É BONITO HEIN... motivo para os meninos que estavam comigo tirar um sarro, pois dai não sairia nada...hehehe. Continuamos nossa subida pela Augusta, lembro-me que iríamos no para o famoso bar do “Netão” um boteco que na época tinha uma pista de dança, bebida barata e muita gente por metro quadrado, elementos que garantiam boas amizades, risos e quem sabe azaração... No trajeto passaram por nós quatro crianças, entre elas uma menina portando uma carteira. Aos gritos uma patricinha berrava: 

Pega! Essa filha da puta roubou minha carteira! Pega! Pega!

A menina mais que depressa deu um baile num segurança gordo que tentou cercá-la, mas sem muita sorte, ao atravessar um cruzamento foi acertada em cheio por um carro que vinha em baixa velocidade. O corpo caiu cerca de dois metros de distância, o segurança e a patricinha foram para cima da menina ainda no chão: Anda, devolve minha carteira!

A menina abriu os olhos, levantou-se vagarosamente, apoiou e apertou o lado direito da sua cintura para conter a dor, ouviu todos os gritos possíveis, olhou fixamente nos olhos da patricinha e disse: 

Eu não sei onde ta sua carteira! Eu acabei de ser atropelada querida! Saiu mancando rumo a parte alta da Augusta. Patricinha e segurança foram desbancados, a menina sumiu andando pela noite. Concluímos que na correria com os “irmãos” era passou a carteira para um deles a fim de despistar o segurança. E nessa atmosfera onde o ar pairava desigualdade social e boemia, a noite parecia estar começando.

No bar a pista cheia e o som alto era o convite perfeito, entre passos e olhares, eu me percebi observado, instantes depois o sorriso confirmava o que segundos atrás era uma dúvida. Pele parda, cabelos castanhos encaracolados, rosto quadrado, sorriso aberto, olhos na cor amêndoa, barba por fazer... meia dúzia de palavras bastaram para nossos lábios se encontrarem e a partir dali permanecerem madrugada adentro. Sentia-me diferente, afinal dois anos com uma única pessoa, não me fez ter a curiosidade de experimentar outras situações... Naquela madrugada, a sensação de estar vivo de novo se restabeleceu dentro de mim. Desta vez eu não queria saber seu nome, seu endereço ou seu prato preferido, aliás, eu não fiz questão de saber...

OITO ANOS DEPOIS...EDUARDO WHITE

São 2h da manhã de segunda-feira, é o dia onde tudo recomeça para a maioria dos mortais. Muita coisa mudou, novos desafios, novos cenários, a vida deu uma guinada interessante, mas tudo ainda muito instável. Equalizar o cotidiano não é uma tarefa fácil para quem vive na tormenta de um mar furioso, são poucos os momentos de calmaria.

Velhos fantasmas ainda me assombram e talvez fugir de São Paulo tenha sido apenas uma fuga fracassada. Será que não consigo apagar as marcas que Eduardo deixou dentro de mim?
Talvez sim, o que sei é que AINDA preciso tirar a prova; E antes que essa vida se acabe eu preciso voltar para encerrar o que comecei... Eu ainda preciso tentar muitas coisas.

Bem, em outubro estarei de volta para mais algumas temporadas...
Até lá...

Eduardo White
O garoto errado