15 de fev. de 2013

O PADRE

A educação é uma coisa admirável, mas é bom recordar que nada do que vale a pena saber pode ser ensinado. [Oscar Wilde]

Estava saturado das semanas que tive, atendendo clientes todos os dias, inclusive aos sábados e domingos. Com o Carnaval chegando muitos clientes viajam com suas famílias, outros conseguem uma brecha e marcam algo comigo, até mesmo uma viagem. Porém, como não tinha nada de concreto eu resolvi aceitar o convite de alguns amigos para ir passar o carnaval no litoral. E para variar, de última hora um cliente liga me convidando para que eu viajasse para Minas com ele, eu tive que recusar embora o cachê fosse muito bom. Eu já havia confirmado com meus amigos e teria que inventar um motivo plausível para não ir, sem contar que seria uma sacanagem com eles. Expliquei isso ao meu cliente e mesmo assim foi difícil pois ele insistiu demais, mais depois aceitou numa boa.

Antes de viajar eu ainda zapiei pelo chat da cidade onde iria ficar e divulguei meus contatos para algum eventual programa caso rolasse. Arrumei minha mala e tomei o rumo do litoral. Ao chegarmos no apartamento onde estávamos hospedados, organizamos nossas coisas  e preparamos nosso almoço, enquanto isso ouvíamos o noticiário pela tv, que informou em primeira mão a renuncia do Papa Bento XVI; surpresa geral ou não, continuamos nosso almoço e logo nos aprontamos para dar um role pela praia, ver gente e arrumar um lugar ao sol. Diante do mar fiquei admirando as idas e vindas das ondas e o seu quebrar na areia da praia... Para cada fim existe um recomeço... essa era a lógica que criei para a formação de novas ondas que se aproximavam e se findavam na beira da praia. Talvez uma lógica que se aplique a nós, aos nossos dramas internos, a nossa existência. Logo pensei no que eu estava me transformando, em quem... Eduardo tornara-se parte de mim.

Por instantes eu também comecei a viajar nas aventuras que tinha vivido até ali, as pessoas que cruzaram pelo meu caminho, as histórias, as transas... muitas coisas em tão pouco tempo...
Curiosamente pensei num cara que conheci antes ser de garoto de programa. Nos conhecemos numa sala de bate-papo em alguma madruga. Lembro-me que conversamos por horas, eu era muito garoto e ingênuo, me encantava fácil pelas pessoas e quando vinha uma desilusão era daquelas avassaladoras que me deixavam no chão... Eduardo tem me ensinado a ser duro nesse sentido.

Gustavo era encantador, corpo atlético, queimado de sol, olhos castanhos, sorriso fácil e bem afetuoso na forma de conversar. Com a câmera aberta via MSN, falamos sobre muitas coisas pela madrugada adentro e logo vimos que correspondemos um ao outro. Marcamos um encontro para o dia seguinte, a expectativa era tanta que nem dormi direito, ansiando o momento de encontra-lo.  E isso aconteceu...

Era 17h30 da tarde, lá estava eu na rodoviária esperando por Gustavo, meus olhos estavam atentos fazendo o reconhecimento de todo cara que passava próximo a mim. Até que ele chegou, sorrindo meio encabulado, meus olhos brilharam ao vê-lo. Caminhamos para um café dentro da rodoviária, pois ele iria para Taubaté, uma cidade vizinha a que moro.

Toma, comprei pra você. Disse ele com um pequeno embrulho e me entregou.

Abri o embrulho era um chaveiro em formato de prancha de surf. Achei tosco por que surf não é a minha praia, e chaveiro é foda... Mais, como estava bobo e apaixonado eu achei lindo e fiquei mais besta ainda... patético. Paixão as vezes é uma bosta!

Preciso te contar uma coisa. Disse Gustavo com expressão séria.

Bom, pode falar. O que é? Perguntei sem muita certeza.

Eu curti muito você... Mais não podemos continuar. Eu estou estudando para ser padre, sou seminarista e não posso me envolver com você...

Enquanto Gustavo falava eu ouvia sem reação alguma, parecia que nada daquilo era real. Padre? Como assim? Bem, a partir dali uma profunda tristeza tomou conta de mim, era mais um cara que me enganava, me pilhava de esperanças para depois jogar tudo pela janela. Fui embora para minha casa apático sem querer pensar em nada, sem vontade para nada. Paixão as vezes é uma bosta mesmo!

Tempos depois encontrei Gustavo online e conversamos um pouco, ele como sempre se mostrou com recaídas, pois apesar de ser um aspirante a Padre, ele era gay e isso ele não conseguira mudar nunca, é sua natureza. Antes de ser um Padre ele é um homem, com desejos e necessidades como outro qualquer... A ele resta apenas a infelicidade de lutar durante o dia dentro de uma batina e se corromper em salas de bate-papo a noite.

Por ironia do destino, lembro-me que depois desses ocorridos eu assisti a um filme chamado Má Educação do cineasta Pedro Almodovar.  A trama se passa nos anos 60 e conta a história de Ignacio e Enrique, dois meninos que vivem num colégio de padres e se apaixonam. Porém esse amor torna-se impossível pela interferência de padre Manolo, diretor do colégio e professor de literatura, que nutre uma paixão doentia por Ignacio, perseguindo-o e mantendo relações sexuais com ele a força. O tempo passa e os três personagens voltam a se encontrar outras vezes mais, ao final dos anos 70 e 80. Porém com vidas muito diferentes. Ignacio torna-se travesti e viciado em heroína, Enrique por sua vez um famoso cineasta e padre Manolo abandona a batina. O filme toca em questões muito pontuais e presentes dentro das igrejas e colégios de padres. A trama é bastante surpreendende e aconselho que assita ao filme, pois vale muito a pena.

Assim como já é especulado a renúncia de Bento XVI vem de encontro com questões do mundo moderno. Corrupção dentro do Vaticano, casos de pedofilia, homossexualismo entre padres, a negação de métodos contraceptivos, o aborto entre outras questões... E para Bento XVI são tabus quebrados, mais inaceitáveis a sua maneira e uma vez se vendo sozinho contra todo um mundo de adversidades ou DIVERSIDADE, ele pode ter achado melhor sair da linha de combate para não lutar nesta batalha sozinho.

O movimento das ondas continuavam e nesse percurso Eduardo ainda é uma parte indescritível de mim. Por vezes me pego tentando reconhecer sua personalidade dentro do meu corpo, mais o que vejo ainda á um borrão, um jogo de mascaras que faz uso da sedução para se impor. E dentre muitas mascaras ele se faz existir em carros, quartos, camas e lençóis alheios . Para existir é preciso respirar e Eduardo respira dentro de mim... Respira como eu nunca respirei...

O garoto errado

Um comentário:

  1. Como sempre o "edu" me impressionando com suas palavras, leio cada texto e fico mais encantado pela capacidade que ele tem de poetisar as experiências que nem sempre são tão boas quanto esperamos, vc realmente tem além de talento, bela e carisma, algo muito especial ae dentro desse peito do ser que usa om codinome "eduardo", bjo Learning....

    ResponderExcluir

Obrigado pelo seu comentário!