Abraçados fortemente, e tão próximos que um podia sentir o
cheiro do outro. [Caio Fernando Abreu]
Cheiros são únicos, suscitam lembranças, momentos,
identidades. O cheiro de alguém reflete muito da personalidade de uma pessoa.
Seja ela boa, ruim, áspera, carinhosa... O cheiro a identifica em algo de sua
essência, o cheiro nunca engana o que ta por traz a pele.
Por diversas vezes as pessoas me liam pelo meu cheiro, não o
cheiro do personagem Eduardo White, mas o cheiro da persona, do meu “eu mesmo”,
como alguém sensível em muitos aspectos e com certa tristeza e melancolia no
olhar. Das máscaras que usamos, são as duas mais difíceis de disfarçar.
Considerando quem um bom acompanhante nunca deva ter um perfume muito forte a
ponto de criar desconforto e repulsa, seu cheiro deva sempre ser suave e
atraente para o toque na pele.
Desde que Eduardo tornou se uma sombra, eu passei a
reconstruir minha vida. Numa dessas ocasiões conheci Olavo. No primeiro
encontro fomos a um restaurante árabe, entre um tabule e um vinho tinto, conversávamos
sobre nossas experiências. Sua complacência e calma me pareciam uma
descrença da vida, mas até ai poderia ser uma primeira impressão.
Olavo é um homem de 30 anos, que passou a maior parte de sua
juventude como um nômade por diversos lugares. Ovelha negra da família, ele foi
exilado pelos pais ainda na adolescência, por ser considerado o típico garoto
problema. O distanciamento da família e
a vida construída de forma precoce o fez conhecer muitos lugares e ter muitas
experiência, boa parte bastante enriquecedoras, como visitar aldeias indígenas,
conhecer alguns países e lugares fora de muitas realidades. Claro, sempre com
uma boa mesada para garantir a família o conforto de sua NÃO presença. Toda
essa bagagem o fez um homem arrogante que subestimava o conhecimento do quem
quer que fosse. Ele subestimava o meu diante da vida... mas ainda sim,disfarçava sua
impaciência diante da minha fala.
No carro aconteceu um beijo, ele se disse encantado pela
minha persona e pelo meu cheiro. Em contrapartida eu não consegui sentir o seu,
parecia algo próximo de um sabonete neutro. Enfim, não dei tanta importância.
O sexo? Ahhh o sexo
não aconteceu de imediato, segundo ele,
sexo não era prioridade, ele não se definia um homem ligado ao sexo. Mas quem
ele queria enganar? Limitando-me a mostrar meu conhecimento sobre ler gestos e
comportamentos masculinos eu me fiz de desentendido, fingi acreditar. Afinal, eu
talvez poderia denunciar minha experiência na carne humana. Definitivamente não
era o que eu deveria fazer... E... não o fiz...
Os encontros foram ficando mais frequentes, nos envolvemos
sem tecer promessas e planos, mas faltava-lhe um cheiro, algo que considero
fundamental para me atrair numa relação. Se um animal é atraído por um cheiro
especifico, por que com o homem seria diferente?
Caminhamos assim por um mês, dois, até que...
Você quer namorar comigo? Perguntou ele.
Eu aceitei. Tentei inseri-lo em meu mundo, saíamos como
qualquer outro casal, tentei apresenta-lo ao meu restrito circulo de amigos,
ele não quis. Convidava-o para ir ao teatro e cinema, ele recusava. Enfim, sua
apatia e desanimo não me servia de combustível para nada, pelo contrário. Mesmo
assim nutri por ele algum sentimento. Eu queria ajuda-lo.
Já sua sede pelo sexo
só aumentava. Logo ele, que se disse apático revelava-se com bastante apetite
nesse quesito. Pobre Olavo...
Com o tempo nossa intimidade aumentou, mas ainda faltava-lhe
o cheiro. Era apático como sua personalidade diante de vida. Logo nossas
diferenças foram se acentuando, para não discutirmos eu apenas me calava. Ele
dizia sempre que eu falava demais, porém, em sua calma e serenidade era sempre
ele que falava em última palavra.
Você não vai falar nada? Perguntou ele certa vez diante de
minha inação em querer conversar.
Não...Você já falou tudo. Prefiro ouvir. Respondi. Mas a
verdade é que me faltava a vontade de falar com Olavo. Restava o desprezo.
Numa manhã, tomávamos café.
Eu li um livro e fiquei pensando em nós dois. Disse ele.
Pensando no que?
Em como somos diferentes... continuou
E a qual conclusão você chegou?
Nenhuma...
Terminamos o café no prenuncio do sub-texto que suas
reflexões diziam. Deixei o em casa e de volta ao meu sofá refleti um pouco e
conclui que era preciso por um fim. O chamei no whatsapp para conversar e pedi
que ele terminasse. Ele por um momento ele se recusou querendo um encontro formal
para isso. Eu relutei, afinal a tecnologia é justamente para evitar mais
desgastes físicos e psicológicos. Isso mesmo, pedi. Eu queria a liberdade, mas
queria a liberdade dada por suas palavras, não pela minha imposição. Afinal,
quem me quis por perto foi ele.
Certo, eu quero terminar. Escreveu ele.
Ta bem. Terminamos então.
E a paz se estabeleceu...As vezes o conceito de felicidade é
o vazio.
O garoto errado
Talvez, o 'não cheiro' dele tenha sido o fio condutor para você entrar na relação. A curiosidade em desvendá-lo. Ao fim você pode ter desvendado, mas não achou tão interessante, assim. E quis terminar...
ResponderExcluirComo sempre, texto muito bem escrito. Abraço!
Sempre muito interessante a forma como você descreve as situações da sua vida, a poesia está presente na sua alma.
ResponderExcluirEu tenho que discordar do WN. Não acho que tenha sido a curiosidade com o cheiro do Olavo que te serviu como fio condutor para o relacionamento, mas sim uma curiosidade sua quanto à capacidade de "dobrar" aquele homem tão prepotente, tão "sábio". De repente, o desafio de mostrar que a sabedoria dele era vazia e que nada mais era que uma arrogância imensa...
Creio que você conseguiu isso quando, depois de tanto engolir calado (e de sentir-se subestimado), conseguiu que sua liberdade viesse pelas palavras dele, as mesmas palavras que demonstravam um domínio sobre as coisas. Você mostrou que ele não tinha controle sobre tudo.
No fundo parece que você sempre sentiu o cheiro dele, mas ele nunca sentiu o seu, justamente o que você mais queria dele... e isso foi a gota d'água pra você.
Grande abraço!
Nossaaaaaaaaaaaa Edu, que incrível isso. Ufa!!!
ResponderExcluirOlha só, devo discordar do Anônimo acima já que, acredito que no final das contas nem vc, nem ele realmente sentiram o cheiro um do outro. Veja, as vezes as pessoas dizem coisas para que de uma certa forma nos sintamos confortáveis, tipo:
- como seu sorriso é lindo! (sim, correndo o risco de ser realmente)
- como vc é amável (embutido aí uma vontade de que vc seja mais amável)
- que cheiro gostoso é esse? (ressaltando que adorou o seu perfume, ou que seu perfume esta forte demais) e etc.
É difícil fazer uma leitura das preferências pessoais de cada um, no entanto tem mais chances quem tem maior conhecimento humano, ou seja, pessoas.
Outra coisa é, o fato de que, pessoas muito inteligentes, não se suportam dentro de si mesma, logo são capazes de fazer com que, pessoas que estejam ao seu redor, sintam se mal, sintam se melancólicos, sintam se "burros" e etc. É dificil acompanhar e eu acredito que só o amor verdadeiro é capaz de reduzir essa tensão e no caso de vcs dois, infelizmente não deu tempo disso ocorrer, o amor. Mas, o legal de tudo e´que vc conseguiu visualizar a situação toda, anualizar e abortar antes que o relacionamento ficasse mais dificil, digamos assim.
Beijos Edu, sempre por aqui lendo e relendo seus textos. Nem sempre comento Edu, mas os leio.
Luis Paulo, SP.