21 de fev. de 2014

PESQUISA DE CAMPO & PÚBLICO OBSOLETO

Nem sempre funciona, mas se você não tentar, "nem sempre" vira "nunca". [Aldo Novak]

Cheguei em Campinas numa sexta-feira a tarde. Hospedei-me no mesmo flat da primeira temporada. Logo que cheguei não tive muito tempo ocioso, pois já havia um cliente marcado que chegou logo em seguida. Ativo e muito safado ficamos deitados numa pegação gostosa, até que ele partiu para o ataque. Me penetrou comigo cavalgando seu pau grosso e pedindo que eu rebolasse e lhe falasse putarias.
Isso, vai rebola pra mim. Que delicia...

E quanto mais ele pedia mais eu fazia. Sexo é como um prato onde se tempera com pequenas medidas e vai degustando, até acertar o ponto. Pode ter certeza que sabor do prato será único. Saber a medida do tesão e do fetiche de cada cliente não é fácil, mas quando se descobre é só ir a fundo e deixar o momento rolar.
E assim seguiu minha sexta , atendi dois clientes por dia, incluindo uma pernoite, além do sábado em que tive quatro clientes.

Entre eles atendi um cara bem interessante; baixinho, corpo normal e bem cuidado. Passivo de mão cheia, Lucas tinha fetiche por consolos. Em nosso contato fez questão de mostrar alguns por fotos no whatsapp e por fim fechamos um programa. Inicialmente ele contratou-me para ser ativo, mas perguntou se eu gostava de brincar com consolos. Por que não? Disse a ele. Porém, impus algumas regras para que ele não extrapolasse os limites.

O espertinho era bem guloso, levou-me para sua casa e recebeu-me muito bem. Fomos para o quarto nos pegamos gostoso e o malandrinho levou rola por apenas 15 minutos, depois quis partir para brincadeiras com consolos. E regado a muito poppers ele sentou em um pau emborrachado e grosso de 24cm. Em seguida quis que eu repetisse sua proeza, mas embora eu faça passivo eu não sou ninja no assunto. Sou um bom passivo, mas tomos cuidados devidos para não acabar com minha ferramenta de trabalho. Fiz uso de poppers também e fui até metade do consolo, foi muito bom, não fiz malabarismos para não me arrepender depois. Nossa noite terminou com um giro pela cidade e depois fiquei no flat.

Cidades como Campinas tem um fluxo interessante de clientes, percebi que garotos vindos de outras cidades maiores despertam um frisson no publico masculino. É a tal sensação de produto inatingível e exclusivo para poucos. Em geral os garotos visam cidades maiores e turísticas onde o mercado já é saturado como, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Óbvio que essas cidades dão uma certa visibilidade e até um retorno interessante, mas ainda sim é preciso ir bem estruturado, com fotos, blog, celular e se possível local discreto para receber seus clientes.

O domingo começou com sol quente, tomei meu café da manhã e voltei para meu quarto para checar recados e agenda. Não havia nada marcado mas logo surgiu um cara interessando em marcar um horário para 14h, após o almoço, seria o primeiro do dia. Conversamos um pouco no skype definimos o horário e logo ele chegou.

Alto, magro, negro, com rosto que aparentava certa ingenuidade ele perguntou se aceito pagamento online.
Aceito pelo pague seguro. 

Você prefere fazer por lá? Perguntei.

Sim, mas tem um problema. Esqueci meu cartão em casa. Posso anotar o número de sua conta e depositar depois?

Só me faltava essa...Pensei comigo

Então você saiu da sua casa, levou mais de 1hora para chegar aqui e não se deu conta que esqueceu seu cartão?

Sim, eu lembrei. Mas já estava na metade do caminho.

Se quiser  Você pode ligar na sua casa e pedir para alguém lhe passar o número  validade do cartão. Assim você pode fazer o pagamento agora. Abro meu blog aqui, tem internet...Propus a ele.

Complicado cara... Disse ele.

Bom, então ficamos para uma outra oportunidade. Você quer uma água antes de ir embora?

Passado o episódio surreal, voltei minhas atenções para o computador. O lance de se viajar entre cidades é que você acaba conhecendo pessoas. Algumas delas são legais e podem até te ajudar, por outro lado há também aquele típico curioso, que vai te adicionar no skype e grudar feito chiclete te enchendo de perguntas e até propondo insanidades, como  querer que você o leve para fazer programas como se fosse algo mais natural do mundo. Álvaro era um desses lunáticos. Chegou a propor que eu e ele dividíssemos o flat para que ele também participasse da temporada fazendo programas. Até economizei meu vocabulário em lhe explicar o por que do “NÃO ROLA”. Mas com sua inteligência limitada seria demais para sua massa cefálica.

Contudo eu estava chaeado com  o domingo, fazia sol e eu enfiado naquele quarto, sem conhecer direito a cidade. Até que me aparece Álvoro no chat me amolando. Eu já o havia excluído do skype, mas ele sabia que eu estava em temporada e ficou me seguindo por onde eu divulgava.

Hey Edu, ta tranquilo nesse domingo?

Sim, estou.

Não teve clientes ainda hoje.

Não, trabalhei muito na sexta e sábado e hoje estou mais sossegado.

Cara, aqui em Campinas tem uma sauna bem legal. O que acha de irmos lá. Você pode conhecer gente. Domingo vai todo mundo pra lá.

Não rola cara. Nunca trabalhei em sauna e nem tenho malícia para isso.

Meu, você é de fora. Ninguém te conhece e tenho certeza que vai fazer sucesso e muitos clientes por lá. Pagam bem e você pode até sair com algum cliente de lá para um motel.

E como é essa sauna? É discreta? Há muitos garotos? É tranquilo ir para lá.

Sim, domingo costuma lotar, são muitos coroas que curtem garotos. Há garotos por lá também, mas são feios. Tenho certeza que você se dará bem. Se quiser passo ai e vamos de táxi.

Posso até ir cara. Mas não ficarei muito tempo pois tenho cliente a noite.

Fechado. Me passa o endereço passo ai em 30 minutos e vamos de taxi pra lá.

Eu devia estar louco, mas resolvi embarcar na de Álvaro. Embora ele só quisesse pegar carona por eu ser GP, eu iria topar essa aventura em conhecer e quem sabe fazer meu primeiro programa em sauna. E embora  meu sexto sentido já me alertasse eu resolvi  argumentar com a consciência. Não moro na cidade, será por apenas poucas horas e se der tudo errado eu tomo algo e volto para o flat. Estava decidido. Eu iria a essa sauna ver qual era.

Em pouco tempo Álvaro chegou ao flat, apertamos as mãos e finalmente ele me conheceu. Parecia bem mais animado do que eu. Confirmei algumas coisas com ele referente a essa sauna e pelo nome e endereço achei o site. Chequei a programação e de acordo com o informe havia churrasco todo terceiro domingo de cada mês ou seja, não era o caso daquele domingo. Enfim saímos de taxi. Em poucos minutos chegamos tão badalada sauna.

Tratava-se de um casarão num bairro bem tranquilo e de pouco movimento. Com a fachada pintada num tom azul mar e portão todo preto parecia grande. No portão havia uma placa anunciando um domingo de churrasco, algo que não estava na programação do site. Da rua ouvíamos um som relativamente alto e barulho de pessoas conversando.

Só até ai eu já pressenti que não deveria ter ido, churrasco e sauna pra mim são incompatíveis. Mas já que estava na chuva resolvi me molhar. Entramos por um corredor todo fechado por plantas, acho que era para ser uma espécie de jardim. Próximo a porta do casarão haviam mesas, cadeiras e homens comendo, bebendo cerveja, alguns de shorts e sungas, outros de toalhas. Como sempre, quem chegava era analisado por olhares criteriosos.

Dentro do casarão uma mistura de forró com eletrobrega, coisas desse tipo, um entra e sai ensandecido de velhotes e boys. E sem querer me gabar dos meninos que estavam lá eu tiraria uns três com o conjunto corpo e rosto bonitos e apresentáveis. O  restante era literalmente mal cuidado. Os armários estavam todos lotados, então tivemos que esperar cerca de 30 minutos para liberarem armários para podermos tirar nossas roupas e guarda-las.  

Embora o casarão fosse relativamente grande, os espaços eram mal planejados. Da grande sala foi feito um um salão com mesas, som alto, um projeto de bar, tudo as claras onde as pessoas pareciam que estavam no metrô de São Paulo, andavam de lá para cá. Havia uma área para duchas, mas totalmente aberta a esse salão, onde as pessoas que passavam podiam ver quem estava tomando banho. A sauna a vapor era um fiasco, um corredor com uma portinha e não cabiam mais do que seis pessoas. A sauna seca era um cubo, já a sala de vídeo que tinha uma luz mais baixa, porém absorvia boa parte do barulho externo das demais áreas e por fim as cabines que não tinham nada de especial.

Dos tais clientes em potencial os quais Álvaro tanto me disse, haviam velhos e mais velhos, a partir daí você só via uma variação deles. Velhos barrigudos, velhos mais secos, velhos caquéticos, velhos mais estilo garotão, velhos mais safados, velhos mais contidos e com sorte cerca de três coroas mais enxutos.  
Dos garotos o que eu notei é que nenhum me parece profissional, eram apenas caras novos que iam para lá fazer uma grana extra de fim de semana. Nenhum malhado, muitos negros e mulatos e curiosamente além de andar enrolados em toalhas eles também usavam sunga. Não expunham o pau, era o tempo todo de sunga. Salvo um boy bem mais velho e gordo que desfilava abrindo sua toalha a quem quisesse e seu grande desafio era encontrar um cliente.

Enquanto Álvaro andava de lá para cá flertando com quem desse mole a ele, eu resolvi ficar na minha e me deixar ser observado. Fiz um pouco de sauna a vapor, tomei uma ducha sem cueca e por fim, fui ao meu armário, coloquei minha cueca e sentei de toalha na área externa ficando entretido ao meu celular. Logo chegou Álvaro e ficamos conversando, até que ele fez sinal para mm de que um cara estava nos olhando. Não demorou muito e ele o convidou para nossa mesa.

Como sempre Álvaro não sabia nem conversar, ele queria era fechar um programa com o cara.

Me chamo Eduardo e você? Perguntei

Luis Eduardo. Tenho Eduardo também no nome.

Bacana, esse é meu amigo. Apresentei Álvaro.

E você Luis, é de Campinas mesmo?

Sim, sou.

Eu sou de São Paulo. Estou aqui de passagem e vim conhecer a sauna na ideia do meu amigo aqui.

Conversamos um pouco, Luis era de poucas palavras e quanto a Álvaro... bem, esse estava mais perdido do que GPS sem sinal.

Luis era um dos poucos coroas interessante e bem cuidado, careca, barba feita, corpo malhado e olhos grandes ele flertava comigo durante a conversa.

E você faz o que?

Sou garoto de programa. Respondi com um sorriso.

Ah, você também é garoto de programa. Não parece. Disse com uma das sobrancelhas levantadas.

Essa é a intenção. Respondi.

E você, não ta afim de liberar uma grana pra gente curtir com você. Disparou Álvaro com mais uma de suas gafes.

Logicamente Luis Eduardo recusou o convite e foi dar uma volta. Em seguida eu também sai para não pagar mais mico com meu colega projeto de gp e cafetão. O clima na sauna continuava agitado, a noite chegava e alguns boys se apressavam para garantir seu cachê.

E ai, agora que começa a hora boa aqui na Sauna. Perguntei para um boy.

É legal chegar mais cedo, mas esse horário também rola. Os caras pegam boy quando estão para ir embora. Respondeu ele.

Logo chegou um cliente do rapaz, um coroa quase albino e acabou laçando o boy. Sem mais nada para fazer decidi dar mais uma volta e ir embora. Na sala de vídeo fiquei sentado enrolado na toalha, haviam também mais um boy que tocava uma bronha de pau duro tentando pescar os coroas que passavam em direção as cabines. Logo ele se cansou e saiu, continuei por lá sentado, até que sentou um coroa ao meu lado e ficou punhetando seu pau meia bomba  e me olhando. O coroa olhava e punhetava, olhava e punhetava. Até que...

Criei coragem e perguntei. E ai, afim de curtir um pouco?

O velho se animou e passou a mão na minha perna. Estou sim.

Mas você é gp?

Sim, sou.

E quanto você cobra?

Disse o valor e foi o suficiente para o coroa se levantar e debandar para outro canto da sauna. Isso por que eu não cobrei o valor que cobro em São Paulo, disse um valor abaixo do normal e compatível com saunas na capital. Naquele momento constatei que saunas definitivamente não são para mim. É um campo muito ingrato, você passar horas andando de toalha e como num açougue fica exposto. As pessoas tiram o máximo de proveito dos garotos, alisam, tocam e bobear até fazem oral em você e na hora H partem para o próximo. Com isso os garotos se vendem a preço de banana e nem sempre a ida em uma sauna é garantia de cliente. Aprendi que esse campo de saunas se configura diferente a partir do seu público alvo. Tenho curiosidade em ir em algumas saunas de SP. Mas o episódio em Campinas serviu como um alerta. Nem todo lugar que se diz sauna é de fato bem frequentado e proporciona diferentes possibilidades. É preciso sondar o campo antes de investir e se aventurar como um produto. Afinal, nem todo produto serve para todos tipos de publico.

Já era noite, procurei por Álvaro e o chamei para irmos embora. Pedimos um táxi e em pouco tempo eu já estava em frente ao flat. Álvaro até tentou um truque para subir, mas dispensei-o junto com o táxi. Mesmo assim ele mandou sms de madrugada me pedindo em namoro, disse que eu poderia continuar trabalhando como gp e até propôs trabalhar junto comigo... Sem chance e sem comentários... Não entendo essa paixão platônica que algumas pessoas conseguem desenvolver em questão de horas sem saber nada do outro.

Bem, era minha última noite em Campinas e mesmo com o contratempo da sauna minha rede de cidade foi ampliada, atendi clientes diferenciados e com isso fiz mais contatos para próximas viagens. O relógio marcava 21h15, eu ainda tinha tinha um cliente marcado para ás 2h da manhã e outro para as 10h de segunda feira, antes de partir para São Paulo. Por isso tratei de comer algo e descansar um pouco para estar bem disposto afinal eu tinha um terceiro turno pela madrugada.

Uma das profissões mais antigas do mundo, ser garoto de programa é também uma profissão facilmente confundida com sinônimo de grana fácil, mas é uma realidade muito distante. Não há amparo legal nenhum, a sociedade que nos mantém contratando nossos serviços é a mesma que age com preconceito quando é confrontada de frente. Ficamos a mercê e vulneráveis ao mercado que muitas vezes é generoso e na maior parte das vezes é ingrato, sem contar nos profissionais que mancham a profissão com atitudes duvidosas.

Felizmente sexo é algo necessário na vida de qualquer ser humano e por esse motivo a profissão irá perpetuar por anos. Então, nós garotos de programa entramos nessa vida, como um mineiro numa mina escura a procura de ouro e diamantes, esses por vezes estão presos e escondidos nas paredes de pedras, espessas e duras. E nessas minas escuras cavamos, cavamos e cavamos em busca da luz.

O garoto errado

Garotoprivado@hotmail.com

14 de fev. de 2014

TURNAROUND

Ser garoto de programa numa cidade como São Paulo é estar nadando mar aberto 24h por dia, tendo como boia de salvação o toque do celular. A cidade comporta e recebe garotos vindos de todas as partes do Brasil, muitos deles sem preparo algum e com a ideia fixa em fazer muito dinheiro. Mas ao chegar e se deparar com centenas de outros profissionais do ramo numa espécie de corrida pelo ouro é como ser lavado por um balde de sobriedade, a ficha cai.

No meu caso, eu já vinha com meu nome divulgado pelas constantes temporadas na capital, fiz carteira fixa de clientes, fui avaliado por um blog que publica avaliações de gp’s, dei uma entrevista, fiz temporadas em Campinas, Curitiba e rapidamente vi meu nome repercutir, mesmo que por um circuito pequeno da putaria em rede. Com isso, a cada temporada, o número de clientes aumentava e isso me dava um certo conforto e estabilidade, sobretudo financeira.

Ainda sim, eu tinha plena consciência de que tudo ocorria por que de certa forma eu me via como um PRODUTO INATINGIVEL. Por ser de uma cidade do interior do estado, eu não estava disponível aos meus clientes 24h por dia, as chances desses clientes transarem comigo era uma em cem, e quando alguns deles conseguiam era como ter um produto exclusivo em que poucos teriam acesso. Isso fazia de mim especial? Não, pois o mercado concentra bons profissionais e até mais interessantes fisicamente. O diferencial é que o fato de não ser acessível em todos os momentos fazia de mim um artigo um tanto raro e curiosamente aguçava aos que vinham a minha procura.

Os meses passaram e agora morando em São Paulo meu negócio passa a se configurar de outra forma. Da minha carteira fixa de clientes, com pouco mais de 12 eu deveria perder metade, afinal, eles sabiam que agora eu saia do patamar de produto exclusivo para apenas um número na estatística de garotos que se aventuram pela capital. Pensando nisso, comecei a buscar novos diferenciais  e estratégias para formação de uma nova carteira de clientes, além de trabalhar sua fidelização.

Era preciso buscar diferenciais que nenhum cliente houvesse encontrado em algum garoto antes ou pelo menos não todos  diferenciais em um só garoto.

Quanto ao resto. É o de praxe, fiz um levantamento de sites que anunciam garotos de programa, escolhi os melhores rankeados por sites de busca e os assinei . O cardápio era vasto, dentre tantos outros garotos disponíveis nas “prateleiras online” eu agora fazia parte dessa amostragem. Entretanto, eu não estava no setor de musculosos, tatuados e bronzeados artificialmente como grande parte ou seja, eu estou totalmente fora do estereótipo da maioria, pelo menos na embalagem e isso era positivo em algum sentido.

Existe um provérbio Frances que diz: Entre a calamidade e a catástrofe sempre há tempo para uma taça de vinho. Enquanto eu ainda acertava alguns ponteiros entre mim e São Paulo eu decidi SAIR de cena a fim de amadurecer algumas ideias.

O lugar escolhido foi Campinas, era hora de uma segunda temporada, sem muito o que planejar avisei alguns clientes, fiz minha mala e parti. Um pouco de impulso não faz mal a ninguém.



O garoto errado

5 de fev. de 2014

ODOR DE FEMINA, O TERCEIRO SEXO

Eu não sentia nada. Só uma transformação pesável.  Muita coisa importante falta nome. [ Guimarães Rosa ]

O poder de observar sem ser observado foi dado a todos mortais, porém poucos apreciam esse dom. Numa cidade como São Paulo, as pessoas estão mais preocupadas em acelerar o passo do que contemplar a natureza. Sobretudo quando essa natureza é alterada e mudada bruscamente, quando curvas masculinas tornam-se femininas, quando cabelos que poderiam ser estilo militar e tornam-se esvoaçantes e provocantes. E se de fato Deus fez a mulher da costela de Adão achando que supriria a necessidade do homem mortal, ele se enganou feio, pois um terceiro sexo surgiu sem pedir permissão para existir, mas o fato é que ele existe.

Entre duas a três vezes na semana eu preciso fazer mercado para abastecer minha dispensa e como há um shopping com supermercado no subsolo próximo ao meu prédio, eu acabo indo até lá. Obviamente por se tratar de uma das ruas mais conhecidas e caras da região da Paulista, a Frei Caneca comporta inúmeras lojas, bares e também um shopping, o Shopping Frei Caneca, que acaba sendo um ponto de encontro para diferentes tribos como,  patricinhas, mauricinhos, nerds, gays mais abastados com suas roupas de grife e claro, as travestis com pedigree. Quanto a esse último grupo é impossível ficar indiferente a elas, todas muito bem produzidas, equilibradas em seus escarpan e vestidas com roupas de corte refinado,  que diferentemente de uma imagem vulgar contrapõe para um perfil sofisticado e elitizado.

E assim como a prostituição apresenta nichos e escalas monetárias, as travestis de São Paulo também tem essa escala. Montadas no silicone, com apliques de cabelos longos e lisos, botox na boca, nas maças do rosto, roupas de grife e seus Iphones, elas desfilam em pequenos grupos pelo shopping, olhando sempre na linha do horizonte, chegando a desbancar muitas mulheres casadas de aparência cansada para seus maridos. Tamanha é feminilidade e curvas delineadas, que alguns desses homens as olham e as desejam com o “rabo de olho”.
Uma delas comanda a alcateia de lobas. Alta, loira, pele levemente bronzeada, boca carnuda, tem cabelos longos, lisos e loiros e um corpo com curvas vantajosas. Seu nome eu não sei, mas a vejo transitando quase sempre escondidas em seus grandes óculos escuros, como uma socialite. Essa travesti era bancada na Itália, fez muita grana lá e comprou um apartamento aqui na Frei. Disse um colega durante um almoço no shopping há muito tempo atrás, quando eu ainda fazia temporadas na capital. Nunca me esqueci disso, pois me lembro que eu tentava ver a feição da “moça”, mas não conseguia, primeiro por que ela não olhava as pessoas nos olhos, passava sempre rápido e segundo, pelos óculos escuros que usava sempre.

Meses depois, vejo-me vizinho dela, afinal moramos na mesma rua. Uma outra “menina” que integra o seleto grupo é uma travesti visivelmente mais nova, de corpo escultural e nariz desenhado por um discípulo de Ivo Pitangy, ela  apresenta uma  feição bem feminina e constantemente caminha junto da loira altiva, porém, aparentava ser muito mais bonita de se admirar, sobretudo quando ela usa roupas de ginástica e pratica corrida aos sábados pela manhã.

Vê-las convivendo naquela região me fazia lembrar do filme Priscila a Rainha do Deserto, onde  duas drag queens e uma transexual são contratadas para realizar um show em Alice Springs, uma cidade remota localizada no deserto australiano. Eles partem de Sydney a bordo de Priscilla, um ônibus e a partir daí muitas coisas acontecem. Vi esse filme quando era criança e lembro que o mais surreal era que a cidade absorvia o fato de ver homens travestidos de mulheres e de alguma forma aquilo acabava sendo natural, sobretudo pelo exagero das drag queens ultra coloridas no meio do deserto.

É também engraçado ver que em uma cidade como São Paulo há pontos de conversão, onde em algumas regiões gays, lésbicas e travestis são aceitos normalmente, mas ainda sim há a ignorância e a incompreensão de muitos que perseguem, agridem e até matam outro ser humano por ele ser diferente. Espero que essa mentalidade mude, será uma batalha dura até lá.

Priscilas ou não, o fato é que as travestis da Frei Caneca exercem um tipo de poder em quem convive por lá, talvez pelo poder aquisitivo ou pela naturalidade em que acreditam ser mulheres de carne e osso. Ao observa-las eu fico me perguntando: O que elas precisaram fazer para chegar até aquele patamar? Embora seja algo reservado somente a elas era difícil não admitir que houve uma mutilação contra o próprio corpo, pois a busca pela semelhança feminina foi grande e não menos dolorida.

Houve um dia em que sem esperar vi o rosto da comandante do bando, seus olhos eram mais fundos, abertos, e sua sobrancelha tinha um desenho arcado, muito para cima, deixando-a com algo muito artificial no rosto, talvez por isso dos óculos escuros. Usando uma expressão de Machado de Assis, eram olhos de ressaca.

De fato a prostituição nos muda, tira pedaço a pedaço da nossa essência e como um produto qualquer, nós mudamos de rótulo, mudamos de forma, alteramos nosso sabor, nossa cor... a ponto de um dia não se reconhecer mais no espelho. Ser travesti talvez tenha um vazio maior, um oco mais profundo, pois a necessidade de mudança é grande. E diferente de mim que mutilo minha alma, elas mutilam o corpo em busca de uma perfeição que talvez nunca venha.

O garoto errado
garotoprivado@hotmail.com