Os meses iam passando com as coisas fora do eixo, estudos a
mil por hora, coração vazio com um amor arrancado do peito, família em crise,
emprego de merda que mal dava para pagar as contas e eu no meio disso tudo, sem
tempo para olhar para trás. O que eu perseguia ainda estava fora do meu
alcance, por instantes me sentia Alice perseguindo o coelho maluco, eu podia
vê-lo mas não alcançá-lo...
Foi nas noites de São Paulo que resolvi abrir minha válvula
de escape. O lugar? Talvez nem melhor, nem pior, chamava-se apenas Rua Augusta.
Nessa rua, a noite reservava tantas cores e sons que era difícil resistir aos
bares e botecos de cada esquina e de certa maneira eu não fiz o mínimo esforço
para resistir. Solteiro e querendo viver o que ainda não havia vivido, numa
cidade que para mim abrir possibilidades do desconhecido, resolvi mergulhar de
cabeça no que eu chamaria de um dos submundos de São Paulo. Eu não sabia
de muita coisa, só sabia que era naquele lugar que eu queria me perder um pouco
para esquecer meus problemas.
Eram mais de 22h quando eu, Elano e Alê, meninos com quem
morava numa república estávamos subindo a rua Augusta olhando o movimento, num bar qualquer paramos para pedir algo para beber. Sentados observávamos uma mulher que falava e gesticulava sem para, nitidamente alterada ela estava praticamente sob efeito de cocaína. Ao nos ver veio até nossa direção e falou algo qualquer que não me recordo, a única cena foi dela pular em minha frente, pegar em meu rosto e dizer. POXA, VOCÊ É BONITO HEIN... motivo para os meninos que estavam comigo tirar um sarro, pois dai não sairia nada...hehehe. Continuamos nossa subida pela Augusta, lembro-me que iríamos no para o famoso bar do “Netão” um boteco que na época tinha uma pista de dança, bebida barata e muita gente por metro quadrado,
elementos que garantiam boas amizades, risos e quem sabe azaração... No trajeto
passaram por nós quatro crianças, entre elas uma menina portando uma carteira.
Aos gritos uma patricinha berrava:
Pega! Essa filha da puta roubou minha
carteira! Pega! Pega!
A menina mais que depressa deu um baile num segurança gordo
que tentou cercá-la, mas sem muita sorte, ao atravessar um cruzamento foi
acertada em cheio por um carro que vinha em baixa velocidade. O corpo caiu
cerca de dois metros de distância, o segurança e a patricinha foram para cima
da menina ainda no chão: Anda, devolve minha carteira!
A menina abriu os olhos, levantou-se vagarosamente, apoiou e
apertou o lado direito da sua cintura para conter a dor, ouviu todos os gritos
possíveis, olhou fixamente nos olhos da patricinha e disse:
Eu não sei
onde ta sua carteira! Eu acabei de ser atropelada querida! Saiu mancando
rumo a parte alta da Augusta. Patricinha e segurança foram desbancados, a
menina sumiu andando pela noite. Concluímos que na correria com os “irmãos” era
passou a carteira para um deles a fim de despistar o segurança. E nessa atmosfera
onde o ar pairava desigualdade social e boemia, a noite parecia estar
começando.
No bar a pista cheia e o som alto era o convite perfeito,
entre passos e olhares, eu me percebi observado, instantes depois o sorriso
confirmava o que segundos atrás era uma dúvida. Pele parda, cabelos castanhos
encaracolados, rosto quadrado, sorriso aberto, olhos na cor amêndoa, barba por
fazer... meia dúzia de palavras bastaram para nossos lábios se encontrarem e a
partir dali permanecerem madrugada adentro. Sentia-me diferente, afinal dois
anos com uma única pessoa, não me fez ter a curiosidade de experimentar outras
situações... Naquela madrugada, a sensação de estar vivo de novo se
restabeleceu dentro de mim. Desta vez eu não queria saber seu nome, seu endereço
ou seu prato preferido, aliás, eu não fiz questão de saber...
OITO ANOS DEPOIS...EDUARDO WHITE
São 2h da manhã de segunda-feira, é o dia onde tudo recomeça
para a maioria dos mortais. Muita coisa mudou, novos desafios, novos cenários,
a vida deu uma guinada interessante, mas tudo ainda muito instável. Equalizar o
cotidiano não é uma tarefa fácil para quem vive na tormenta de um mar furioso,
são poucos os momentos de calmaria.
Velhos fantasmas ainda me assombram e talvez fugir de São
Paulo tenha sido apenas uma fuga fracassada. Será que não consigo apagar as
marcas que Eduardo deixou dentro de mim?
Talvez sim, o que sei é que AINDA preciso tirar a prova; E antes
que essa vida se acabe eu preciso voltar para encerrar o que comecei... Eu ainda
preciso tentar muitas coisas.
Bem, em outubro estarei de volta para mais algumas
temporadas...
Até lá...
Eduardo White
O garoto errado