Ninguém foge do seu destino. O que Deus risca, ninguém
rabisca. [Madame Janete – Minissérie Hilda Furacão]
Todos em algum momento da vida tem um amuleto da sorte, algo
que traga prosperidade e sucesso em algum projeto. Eduardo White também teve o
seu...
Três anos atrás eu ainda não havia me mudado para São Paulo,
mas fazia pequenas temporadas com um amigo do interior. Nossa primeira
temporada foi em um luxuoso flat que no ato da chegada sacou o motivo pelo qual
aqueles dois rapazes estariam hospedados lá e foram decisivos em prol da
cafetinagem de luxo, informaram que iriam cobrar R$100 por cada “visita” que
subisse para nosso quarto.
Na ocasião eu era só mais um garoto anônimo numa grande
cidade e não poderia me dar o luxo de pedir que meus poucos clientes pagassem
uma taxa absurda para subir para o quarto, tampouco eu poderia subtrair esse
valor do meu programa. A solução era eu atender fora do flat, na casa do
cliente ou em motéis pela região. Já a realidade do meu colega era bem
diferente, ele já era conhecido e seus clientes não se limitaram em pagar a
quantia exigida.
Numa manhã de sábado, enquanto eu havia ido atender um
cliente na Republica num hotelzinho de quinta com colchão cheirando a suor e
cobrando mais barato para não fechar no vermelho, meu amigo havia recebido um
cliente especial, empresário, bem resolvido e que não se limitava a pagar R$
400 reais por duas horas de prazer, mais a taxa do hotel. Eram por volta de
11h30 quando cheguei no flat com apenas duas notas na carteira e encontrei meu
amigo de cueca Box com várias notas prezas na cueca desfilando pelo
quarto.
Viu só! Dinheiro na mão, cueca não chão! Comemorava ele.
Porra, tudo isso por duas horas? Seu cliente foi massa
hein... Confesso que senti uma ponta de
inveja, pelo cliente generoso.
E o cara, era bonito? Perguntei
Eduardo, o cara parece um gnomo, coroa, baixinho, barrigudo,
um cheiro forte. Não que ele fede, mas tem um cheiro característico. Ah, e
estava com bafo, assim que ele começou a falar eu já peguei um Halls para chupar,
senão não ia conseguir. Confessou meu colega.
Bem, pelo menos nisso eu me sai melhor, o meu era um coroa
passivo, mas com tudo em cima. Ri.
Os dias da temporada se passaram e digo que relei muito para
não sair no vermelho, atendi todos clientes fora do flat, enquanto meu colega
recebia seus abastados homens que não se importaram em pagar a taxa de subida
para o quarto. Entretanto a passagem do Gnomo ficou marcada para ambos. Eu não
o vi, mas meu colega sempre lembrava durante nossas conversas sobre clientes.
Gnomo acabou ficando como apelido do cliente devido ao seu tipo físico, gordo e
baixinho, que entre outras peculariedades ele também aparentava ter um pote de
ouro e não se importava em pagar bem, muito bem ao mero mortal que o levasse ao
fim do arco Iris.
A temporada se encerrou com algum lucro e muitas histórias,
mas decidi que precisaria traçar novas estratégias para as próximas viagens,
como um hotel com custo beneficio adequado, boa localização e que não reparasse
tanto nas “visitas” que receberíamos no quarto. E claro, além de trabalhar
formas de fidelização e marketing, as quais inclusive já escrevi sobre.
O tempo passou, continuei trabalhando trançando algumas
estratégias e aos poucos fui fazendo meu nome no oceano infinito que é a
prostituição masculina. Meu blog se tornou bastante conhecido e acessado,
passei a receber e-mails de pessoas que se identificavam com o que escrevia.
Saber fazer a hora certa é importante para irmos para o lugar
certo e assim o fiz, anunciei uma quarta temporada a capital. Como de costume
eu iria com um colega, pois a ideia era
dividir custos nas diárias do hotel e revezarmos o quarto conforme nossos
clientes surgissem. Nessa ocasião, eu sai de São José dos Campos com cerca de
50% da minha agenda fechada para quatro dias de temporada. Foi uma das mais rentáveis
que fiz, cerca de 12 clientes, sendo um deles uma pernoite para acompanha-lo
numa balada.
No terceiro dia, enquanto eu voltava da Consolação recebi
uma ligação, um cliente de voz grave perguntava se eu tinha horário disponível
para aquela tarde de sábado.
Sim tenho, mas preciso checar o quarto. Qual horário seria
melhor para você? Perguntei enquanto caminhava pela rua.
Agora! Você ta perto?
Confesso que não contava com esse imediatismo, mas como
dinheiro não se dispensa eu tentei contornar.
Estou fazendo temporada com um amigo, estou a caminho do
hotel e vou confirmar se quarto não estará ocupado. Pode ligar em cinco minutos
e já lhe respondo.
Em vinte minutos estarei no hotel, se o quarto estiver
ocupado a gente espera ou podemos ir para outro lugar. Vou indo pra lá, te
espero na portaria. Foi enfático.
Ok, combinado. Desliguei e apertei o passo.
Pelo whatsapp chamei meu colega e falei sobre o cliente que
havia fechado. Recebi a confirmação que o quarto estaria ocupado por 1h30, meu
colega também havia agendado um cliente. O jeito era eu chegar no hotel, expor
a situação e ver a possibilidade de esperar, ir para outro lugar ou descartar o
cliente marcado.
Logo cheguei ao hotel, na recepção havia hospedes fazendo
check in, outros desembarcando de um táxi e próximo a porta estava um homem
gordo, baixinho, cabelos grisalhos, pele branca, vestia calça social, camisa de
manga cumprida branca, deduzi que fosse o homem que havia me ligado.
Cumprimentei o com um aperto de mão e me apresentei. Como a recepção estava
sempre cheia fomos para o restaurante do hotel, que estava vazio.
Poxa garoto, difícil marcar com você. Brincou ele.
Sim, estava fora do hotel. Peço desculpas, mas estou em
temporada com um colega e revezamos o quarto. Falei com ele e o quarto estará
ocupado por pelo menos uma hora. Se você quiser podemos ir para outro lugar ou
marcar em outra hora melhor para você. É que realmente eu não esperava sua
ligação e deixei a tarde livre para ele usar o quarto. Disparei a falar.
Eu conheço seu colega, estive com ele na outra temporada em
que vocês estiveram em São Paulo.
Sério?...Parei para ligar os pontos.
Sim, acompanho seu blog, li que o flat cobrou uma taxa de
vocês por cada visita recebida no quarto né?! O lugar era ótimo, pena que
fizeram isso com vocês.
Pois é... Passei a falar menos e observar mais e de acordo
com o que ele relatava eu constatei. O Gnomo estava diante de mim! Pode parecer
patético, preconceituoso, mas era só uma constatação, parecia algo impossível.
Gostei do seu colega, mas não era o que eu buscava.
Acompanho seu blog já tem bastante tempo e vejo que você tem um ritmo diferente
dele.
Era algo inédito para mim. Eu já havia atendido em duplas e
trios, mas até então não havia sido comparado ou requisitado por um cliente de
um colega. Não que um cliente sempre vá repetir garotos, seria ingenuidade
pensar isso, mas é estranho quando um dos garotos é seu colega e o respectivo
cliente faz algumas comparações.
A ética é algo que deve existir em todas as esferas, mesmo
na prostituição, então me limitei a tecer perguntas pessoais que desabonassem
algo ou que parecem quebrar esse protocolo. Apenas fui claro ao dizer que as
pessoas que me procuravam não esperavam muitas vezes buscavam um personagem, um
Eduardo que eles idealizavam, mas que na verdade eu era um garoto comum, apenas
gostava de deixar meu cliente a vontade e contava com a ajuda dele também para
que o sexo fluísse de forma prazerosa, afinal, eu não opero milagres. Sexo não
é masturbação para ser feito apenas por uma pessoa.
Você está crescendo a cada temporada. Esse hotel é bem
localizado, tem metro ao lado, estacionamento, mas é muito movimentado. Você
deve fazer uma temporada sozinho. Disse ele.
Será que consigo?
Sim, consegue. Você tem um perfil diferente, é calmo,
inteligente. Pode perfeitamente frequentar outros ambientes...
Como tínhamos tempo acabamos conversando sobre muitas
coisas, sobretudo carreira profissional e aos poucos aquela figura que outrora
foi me passada com certo asco, não por não ter requisitos de um padrão de
beleza que muitas vezes impomos, mas por que os contatos com clientes em geral
são tão efêmeros e tão rápidos que conseguimos apenas conhecer a embalagem
externa e muitas vezes não enxergamos o que habita dentro de cada homem. E
naquele dialogo de 60 minutos a figura do Gnomo que guardava o pote de ouro foi
se desfazendo. Eu não via mais o pote de ouro que ele tinha para me dar, via
apenas um homem que buscava troca, carinho, um momento de respiro para toda
encenação que era a vida.
A beleza externa nada mais é que uma casca, uma couraça que
muitas vezes esconde a feiura de dentro. Era curioso ver como uma pessoa muda
aos nossos olhos a medida que conhecemos seu interior. Uma das cenas mais
emblemáticas que lembro ter visto sobre isso foi na minissérie Hilda Furacão, exibida nos anos
90 na Tv Globo. Interpretada pela então jovem Ana Paula Arósio. Na obra de
Roberto Drummond, Hilda é descrita como uma linda jovem, da alta sociedade
mineira, que no dia do casamento abandona o noivo no altar, larga a família e
se refugia a zona boêmia de Belo Horizonte, no Bordel Montanhês Dance para se
transformar em uma das mais famosas prostitutas na década de 1950. A rainha da
zona boêmia deixava os homens loucos, entre eles, até um frei dominicano, interpretado
pelo ator Rodrigo Santoro.
Na primeira noite de Hilda uma fila de homens formou-se na
porta de seu quarto, a fila descia as escadas e culminava na calçada do bordel,
todos pacientemente aguardando a jovem iniciar seus trabalhos. O primeiro
cliente era um homem de meia idade, gordo, baixo, pele suada de um dia de
trabalho, olhos castanhos e sem dos dentes dente da frente, que aguardou
pacientemente seu lugar na fila. Na cena, a bela jovem o recebe vestida de
noiva, acaricia seu rosto e deixa o homem estático diante de tanta beleza, que
aos poucos é envolvido por Hilda. Me lembro que a cena é cortada e segundos
depois ele sai do quarto gritando de euforia, comemorando aos quatro cantos de
bordel sua satisfação por ter se deitado com uma mulher tão bela.
Hilda que poderia ter escolhido o melhor dos rapazes,
poderia ter tido uma posição de destaque na alta sociedade mineira, mas não o
fez. Ela resolveu descer até o “borralho” e viver o que estava predestinado a
ela ou o que viu como único caminho em busca da felicidade. A seus clientes ela
não fazia distinção, ela atendia a todos sem distinção de cor e padrão
estético. Sua candura amolecia até os mais rudes dos homens que se rendiam
diante de sua ingenuidade e beleza.
Já no quarto eu e aquele homem já com certa simpatia tomamos
banho, baixamos a luz e nos entregamos, foi um sexo gostoso, com caricias,
beijos e a cada movimento eu sentia que ele gostava. Após o orgasmo ele ainda
quis me fazer uma massagem, me colocou de bruços e massageou minhas costas e
nuca, logo depois deitou-se do meu lado e retomou a conversa do restaurante.
Faz o que eu digo. Faça uma temporada sozinho. É só reservar
um bom hotel, como este, mas um pouco mais tranquilo e com estacionamento. Anuncie
em seu blog, você poderá cobrar um pouco mais por isso, pois vai oferecer um
atendimento diferenciado aos seus clientes.
Será? Perguntei.
Pode ter certeza que sim... Gostei bastante de você. Não é
como a maioria, é inteligente, calmo, paciente. Isso faz toda diferença. Dizia enquanto se vestia, pagou um pouco mais
que o combinado e foi embora.
Minutos depois meu colega estava de volta ao quarto.
Enquanto eu trocava o lençol e arrumava a cama e organizava as toalhas
aproveitamos para conversar.
E ai, como foi seu cliente? Perguntei.
Era um cara gostosinho. Respondeu ele.
Eu atendi um cliente seu, mas só soube por que ele disse que
havia saído com você na temporada passada. Disse a ele.
Eu sei, o Gnomo né? Eu estava sentado próximo a recepção
quando ele saiu. Ele me viu também. Nossa só de lembrar...Ele deve ter me
reconhecido. Foi difícil, né? Perguntou.
Nem tanto, como passamos muito tempo conversando acabou que
fluiu de forma bacana. Acabei sacando um pouco o que ele gosta, ele foi bem
calmo. Fui ativo com ele. Expliquei
Mas ele pagou mais para mim. Ele ficou duas horas comigo!
Sim, é verdade... Concordei
Ele disse algo sobre mim? Será que não gostou de algo? Mas eu
consegui penetra-lo, fui ativo com ele também! Dizia meu amigo procurando algum
motivo para a suposta “troca”.
Não disse nada. Ele veio por curiosidade. É normal o cliente
querer variar, eles não são fieis a nós, um ou outro pode até ser...
Após esse episódio muitas coisas mudaram, assim como recomendou
esse cliente , eu comecei a pensar numa temporada solo. Quase dois meses se
passaram, eu e meu colega reservamos uma nova data em um novo hotel. Dessa vez
considerei algumas recomendações passadas por esse cliente, como um lugar
privilegiado mas fora do circuito de badalação. Com a data marcada eu anunciei
a temporada em meu blog e tive grande procura, tendo 50% da minha agenda
fechada com antecedência.
Logo no primeiro dia em que cheguei a capital um site que avalia
profissionais do sexo a partir de relatos de seus clientes, fez uma publicação
sobre meu perfil e atendimento, bastou isso para que o restante de minha agenda
fosse preenchida por completo. Lembro-me que não pude atender a todos que me
procuraram, mas anotei contatos para avisa-los sobre outras temporadas, com as
devidas autorizações. Isso de certa maneira foi positivo, pois tudo que é em
partes inatingível como produto, acaba aguçando e despertando mais curiosidade.
O ser humano em geral sempre quer o que não pode ter.
Aquele cliente em especial voltou pela segunda vez, muito
cordial ele me parabenizou pela publicação no site, pelos textos no blog e mais
uma vez recomendou que eu fizesse uma temporada solo. Eu o tranquilizei.
Pode ficar certo. Na próxima viagem será o momento de fazer
algo sozinho. Disse a ele.
E assim que anunciei em meu blog minha viagem solo, esse
cliente, curiosamente apelidado como “Gnomo” fez questão de reservar o período
de 4 horas comigo, logo no primeiro dia, após minha chegada. Passamos uma tarde
inteira juntos. Transamos, conversamos e dormimos uma tarde de quinta feira
inteira. Antes de ir embora ele ainda deu algumas recomendações e parabenizou
pela minha coragem em ouvi-lo. Fez novamente uma massagem e me desejou sorte
antes de sair do quarto.
A partir dali eu consegui manter um fluxo de agenda
completamente cheia, tive que prorrogar um dia além do programado, pois um
cliente havia fechado um dia todo só comigo e outro uma noite inteira. Creio
que foi uma das temporadas mais rentáveis para mim.
Dois meses depois eu estava morando na capital, com um flat montado próximo ao centro financeiro de São Paulo, eu passei a
trabalhar muito e correr ainda mais atrás dos meus objetivos. Nessa nova fase o
“cliente da sorte” veio me visitar, com um abraço fraterno disse se sentir
feliz por eu estar prosperando na carreira que havia escolhido. Tivemos um
último programa e depois de se certificar que eu estava bem ele foi embora.
Talvez o pote de ouro seja uma corrida insana, uma metáfora,
mas o fato é que nossa sorte é a gente quem faz. Nada acontece por acaso.
Agradeço a ele por todas oportunidades em que estivemos juntos.
O garoto errado
garotoprivado@hotmail.com