24 de fev. de 2015

LABIRINTO DOS SENTIDOS

Você deve estar em mim (em você, eu estou em você) [Haunted – Beyonce]

Era um prédio na parte podre da cidade, um lugar fechado, habitado por diferentes passados, havia sido igreja, quadra de escola de samba, cinema pornô, entre outras finalidades que suas parede guardavam escondidas sobre camadas de pinturas descascadas.

Eu havia entrado lá pela primeira vez pelas mãos de alguns artistas de grupos e movimentos independentes, que haviam adotado o lugar para revitalização cultural. Mas o passado daquele prédio parecia tão carregado pela sua história que não havia vida ali. Mezanino de concreto bem precário, palco maltratado e abaixo dele um imenso porão usado como camarim. As escadas que davam acesso a ele eram estreitas, de cimento cru que esfarelava.

Um dos eventos que inauguraria aquele imenso prédio transformado em teatro underground seria uma mostra de artes com diversas expressões artísticas. Entre a programação fui convidado para fazer uma performance intitulada “LABIRINTO DOS SENTIDOS”. Nelas usaríamos a salas do porão como celas temáticas, onde cada performer seria aprisionado e criaria seu ambiente numa espécie de calabouço aberto a visitação. As pessoas desceriam no porão em turmas e pelos corredores iriam transitar e nos contemplar, mas não poderiam nos tocar.

Eu não presumia o que poderia acontecer, mas me vi seduzido a embarcar nesse projeto experimental. O Labirinto dos sentidos prometia ser uma experiência sinestésica e única para expectadores e performes. Foram horas de preparação até que o labirinto fosse aberto.

Ao descer as escadarias os expectadores encontraram um homem acorrentado com mãos para traz e olhos vendados, passando por ele teriam acesso  a primeira sala que apresentava paredes preenchidas por imagens da segunda guerra mundial e holocausto, seguida por vídeos e trilha sonora que evocariam um universos agonizante por suas vitimas. Continuando o passeio a terceira sala estava iluminada a luz de velas com uma bela mulher vestida de com roupas intimas.

Eu estava a sua espera... Vem... Entra, fica aqui comigo.

Convidava a bela mulher. Seus olhos negros e sua boca vermelha seduziam aos expectadores que passavam diante de sua porta, muitos paravam para admira-la em sua beleza.

Vem... Fica comigo

Ela borrifava um delicado perfume no ar e pegava morangos frescos para dar na boca de quem permanecesse  diante de sua cela.

Quem continuasse a partir daquele ponto era direcionado a uma pequena sala, um banheiro envelhecido pelo tempo com ladrilhos verde musgo, luz negra, paredes manchadas com tinta para tecido que sob a luz negra ficavam florescentes. Preso por cordas ligadas do teto ao chão eu me encontrava, quase nu, emaranhado na teia de tecidos e cordas, amarrado pelos braços, pernas e pescoço com parte do corpo pintado. As cordas me davam movimentos somente dentro de minha cela, ao tentar sair meu corpo era puxado para dentro.
Inicialmente eu diria um texto fragmento de Franz Kakfa, intitulado “A Construção”, o texto falava de um ser preso em sua própria condição se ser, uma espécie de casa e usava de diversas metáforas para falar do inimigo que estava a espreita fora de sua casa, como um predador.

A intervenção tinha tempo marcado de 40 minutos, mas dada a quantidade de expectadores para assistir a performance levou mais tempo do que previmos, fome, sede, agonia, desespero por estar amarrado e desconforto somaram-se a minha condição e então as palavra tornaram-se pesadas.
Era como se eu agonizasse de verdade preso num corpo, preso as cordas, preso a uma cela, escondida num porão embaixo do solo, nos fundos de um prédio abandonado em meio a uma parte deserta da cidade. Essa sucessão de prisões me incomodou a tal ponto que o que eu já dizia não eram mais palavras jogadas e sim um misto de lamento, em transe...


Junto aos meus lamentos uma outra atriz presa na ultima cela dialogava comigo também em transe, batíamos em portas e janelas na busca por alguma saída...

Após quase duas horas o porão ficou  mais escuro, vazio...vazio...VAZIO... As luzes se acenderam e a porta da minha cela se abriu totalmente. A equipe de produção veio nos liberar, fui o último a sair devido as muitas cordas de tecidos que me prendiam...E, num abraço eu apenas chorei...

Estava livre do calabouço...


O garoto errado.