"O maior obstáculo para eu ir adiante: eu mesma. Tenho
sido a maior dificuldade no meu caminho. É com enorme esforço que consigo
me sobrepor a mim mesma." [Clarice Lispector]
Mais de 100 dias se passaram desde que parei de fazer programas... Eduardo não faz mais parte do meu dia a dia, mas parte de sua melancolia habita dentro de mim, como cicatriz que demora abrandar suas marcas na pele.
Minha vida como garoto de programa não foi leve e repleta de
agitação ou felicidade, por alguns momentos fui sim feliz e no que posso julgar
pude satisfazer algumas necessidade materiais, mas com o tempo é um cotidiano
que pesa e daí temos que ter eixo para encontrar um ponto de equilíbrio. Eu de fato não vi o quanto distanciei de mim
mesmo e me abandoei numa estrada... Caminhei para longe do garoto cheio de
sonhos que um dia fui e hoje não consigo voltar ao que era. É a lei da vida.
O Garoto Errado ainda é constantemente procurado nas redes
sociais, na caixa de e-mail e na caixa postal do celular (chip antigo). Há dias
em que é difícil acordar no meu quarto e levantar da cama, mas é preciso tocar
a vida, viver dia após dia e encontrar razões que não me façam olhar para traz
e querer retomar a vida como Eduardo White.
A decisão de parar veio num momento de angustia, tristeza,
esgotamento físico, sobretudo mental. Lembro-me de uma frase em um seriado
sobre prostituição, que diz o seguinte: Nenhuma profissão provoca mais
oposição, inspira mais preconceito e instiga mais polemica do que a
prostituição... Mas nenhuma outra desperta tanta curiosidade. (O Negócio ).
De fato a curiosidade é o ingrediente essencial que permeia
o fetiche em desvendar e experimentar algo novo, seja no sexo ou em qualquer
terreno. O curioso por si só não sossega enquanto não vê, cheira, toca, e experimenta
o que ele quer. Estar próximo de algo ou alguém que nos fascina é instigante. E
por conhecer essa necessidade humana, Eduardo foi explorando cada vez mais esse
elemento, mas também sofreu por ceder demais e muitas vezes o que era
fascinante e encantador perdia a graça. A linha tênue entre deixar se ver e ser visto é muito complexa, pois quando
se trabalha com uma fantasia nunca pode ir
além do que a pessoa necessita, a dualidade e o desejo precisam ser
alimentados, senão o encanto se perde.
As pessoas se perguntam se parei com os programas em nome de
um grande amor, de uma paixão fulminante romanceada no velho clichê do cliente
que se apaixona e tira sua “amada” da prostituição. Sim, eu me vi apaixonado por
alguém, me vi envolvido pela história de um rapaz acometido por um câncer e
tamanha era minha fragilidade, que me deixei enredar em seus dramas pessoais. Tolice!
Ingenuidade! Burrice!
Ainda sim creio numa explicação plausível... Quando desejamos
muito uma coisa, uma mudança que nós ajude na tomada de uma importante decisão,
nós passamos a interpretar sinais que nos levem a isso. E foi isso que fiz...
No inicio, quando Eduardo surgiu, busquei apenas o
material, quando Eduardo amadureceu, eu passei a viajar por lugares e com isso busquei
êxito e reconhecimento profissional e quando por fim ele obteve o reconhecimento que desejei, busquei caminhos de fuga,
quis recomeçar ainda vivendo em sua pele...
Em janeiro de 2014, mudei para São Paulo, montei apartamento
em um dos lugares mais visados da cidade e decidi levar adiante meu planejamento
em viver por mais um ano como Garoto de Programa. Por um tempo funcionou muito
bem, trabalhei muito, consegui altos rendimentos, mas um profundo desanimo me
abatia dia a dia. Minha rotina era cuidar do apartamento, frequentar academia, fazer
mercado e estar sempre disposto para meus clientes. Eu mal conseguia dar um
passeio pelo centro de São Paulo.
Lembro-me de um sábado, enquanto eu passeava com um amigo
pelo centro da cidade, quatro clientes ligaram querendo programa, um deles
ligou cerca de três vezes insistindo para que eu pegasse um taxi e voltasse
para o apartamento. Eu havia saído para conhecer o Mercadão, Mercado Municipal
de São Paulo e no intervalo de uma hora eu tive que remarcar três clientes e
cortar o passeio pela metade. Naquele sábado eu atendi três clientes com
intervalos de meia hora, só parei na noite de sábado esgotado e de certa forma
infeliz por não conseguir ter amigos e me divertir. Eu olhava para aquele
apartamento, para sua mobília sem personalidade, para o dinheiro conquistado em
poucas horas e pensava... “Pra que tudo isso? Eu nem sei o que vou fazer”... Então
eu quis voltar ao ponto de partida.
Marcelo parecia um sinal, algo em que eu poderia acreditar e
antecipar uma decisão que seria tomada em janeiro de 2015, quando eu
completaria um ano como garoto de programa na cidade de São Paulo. Ele apareceu
como um suposto cliente para uma pernoite, nosso contato foi se aprofundando
por e-mail, fotos, telefonemas, histórias... Por fim, dias antes de nosso
encontro Marcelo adoeceu, foi internato, passou dias para ser diagnosticado com
câncer. Da família do suposto rapaz, eu conheci pessoalmente e de forma muito rápida
um primo que passou a intermediar alguns de nossos contatos culminando em um breve encontro no qual ele foi
entregar um presente de Marcelo, na ocasião marcamos no estacionamento de um Shopping.
Muito nervoso o primo me cumprimentou, não olhou diretamente nos meus olhos e
mal falou comigo.
Semanas se passaram, a situação se agravava até tornar-se
surreal, amigos passaram a me alertar para um suposto golpe e por vezes eu
pensava: Golpe para que? Eu não dei um centavo meu para Marcelo! Não havia
dinheiro envolvido...
A mentira caiu por terra e a lucidez voltou, com os
pensamentos menos bagunçados, eu tracei outra estratégia, fui frio e
calculista. Como o primo era o elo que me ligava a Marcelo eu passei a me dizer
encantado por ele e pela atenção que ele me dava, me fiz de apaixonado, dizia
que meus sentimentos haviam em relação a Marcelo e que ele, o primo, era a
pessoa que eu queria ao meu lado e... como num passe de mágica a guarda se
abriu. Passei a reunir provas como, fotos, mensagens de texto, e-mail, houve
até um contato telefônico onde o primo soltou o verbo, embora ele tentasse
maquiar sua voz eu pude comparar
orações, entonação de voz e constatei que Marcelo era o primo.
A partir dessa espécie de dossiê as avessas eu fiz um ultimo
e decisivo contato com o tal primo, colocando-o contra a parede ele confessou a
autoria do perfil fake e confidenciou estar apaixonado por mim, acompanhar tudo
o que escrevia em meu blog e a partir daí tentar se aproximar. Houve ainda a tentativa de explicação na qual ele
justificou-se, disse que Marcelo de fato havia existido, vítima de câncer no
estomago o rapaz veio a falecer em novembro de 2013. A partir daí, na tentativa
de se aproximar de mim o primo se apropriou do karma de Marcelo e me envolveu naquela
triste situação. Para provar a veracidade da existência do verdadeiro Marcelo,
o primo se dispôs a me levar em seu tumulo. Mas de que adiantaria mais esse
sofrimento? Eu de fato queria que Marcelo tivesse existido em minha vida, mas
ir ao seu tumulo só me faria sofrer ainda mais, ver vestígios de alguém a quem eu
considerei um dia não mudaria a decepção que eu sentia diante de tudo.
A verdade também é algo libertador, e a verdade era o que eu
precisava para por um fim naquela história. Sem rodeios exigi que o primo se
afastasse de mim ou eu o denunciaria por crime de falsidade ideológica e
apresentaria todo material que reuni, incluindo sua confissão. Felizmente pude
encerrar esse capitulo de alma lavada. Sepultei o lapso de sentimento que
construí em torno da existência de Marcelo, e com ele Eduardo também seria
sepultado na certeza de que adormeceria para sempre.
RECOMEÇO
Com uma mochila nas costas e uma pequena mala , eu deixei o
apartamento de Eduardo White. Repassei o imóvel a outro rapaz que se
prontificou a cumpri o contrato até janeiro de 2015, data em que devo retornar a
São Paulo para me desfazer da mobília e entregar o apartamento para
imobiliária. De volta ao ninho, a casa de minha mãe, eu voltei a viver em meu pequeno
quarto. Eu precisava recomeçar... E assim o fiz...
Hoje, passado mais de cem dias desde que resolvi sepultar
Eduardo, consigo analisar a decisão que tomei com mais distanciamento. O suposto cliente que não passou de um fake,
mesmo me fazendo sofrer foi um dos responsáveis pela minha libertação. Eu havia
criado a coragem necessária a partir dele, pude sair da prisão a qual eu havia
me condicionado, como uma grande ironia da vida muitas vezes a libertação
acontece depois de um calvário de sofrimento...
As coisas que aconteceram depois pareceram encaminhadas por
Deus, ou por algo maior. Eu estava de volta a minha casa, consegui um bom emprego
em minha área, comprei um carro (mais ainda to praticando), me matriculei em
minha tão esperada pós graduação e venho buscando outros objetivos. Não tem
sido fácil, por vezes me pego desanimado com uma coisa do passado ou frustrado
por ter direcionado minha vida a outros rumos, mas por mais que temos escolhas
e que os caminhos não nos agrade e não seja bem como esperávamos, há sempre um
aprendizado adquirido.
Claro que não é fácil, é uma desintoxicação que acontece dia
após dia, mas eu estou determinado a continuar trilhando meu caminho em busca
de algo que eu considere bom para minha paz de espírito. As cicatrizes ainda
continuam, ora latentes ora neutras... Eu ainda desejo muitas coisas para minha
vida.
Não sei se ainda voltarei aqui para contar como vou indo, se
vou escrever memórias ainda não contadas como Eduardo White, porém, a única
certeza que tenho é que crescer de fato dói e sei que Eduardo ainda vaga por
algum lugar dentro de mim. Com ele busco selar um acordo de paz. Não quero que
ele volte a reger minha vida, mas também não posso nega-lo.
White faz parte do meu eu mesmo e irei carrega-lo como parte
de minha história. Eu ainda não estarei livre de errar, afinal, o ato de errar
faz parte da vida, do amadurecimento... Errar e contemplar buscando sabedoria
nos faz melhores do que fomos no dia de
ontem.
O garoto errado