6 de mai. de 2014

FIM

CENAS DO ATO FINAL

Depois de dois anos vivendo na pele de Eduardo White tomo a decisão de encerrar o ciclo Não há uma resposta sucinta para tal decisão, eu apenas sinto um desejo profundo de mudança. Se você tiver a oportunidade de conversar com um Garoto de Programa vai notar que em seu discurso há sempre a intenção de um dia parar.
Vou parar em breve... Vou parar no próximo ano... Vou parar é um tempo verbal que acaba sendo prolongado e raramente se faz presente, fica apenas no plano das ideias. A menos que você o traga para o AGORA... Mas antes...


O NÃO ENCONTRO

Oi Eduardo, me chamo Marcelo, você foi recomendando pelo Roberto, ele não faz mais programa mas disse que você é o melhor em São José dos Campos. Vi seu blog e gostei muito, quero marcar algo com você. Tenho interesse em uma pernoite. Me responda assim que puder.

Era 04 de fevereiro, eu estava na rua 25 de março comprando coisas para meu apartamento recém alugado em São Paulo. Havia um ensaio de fotos programado para o dia seguinte, eu estava ansioso e correndo de loja em loja quando fui chamado no whatsapp com essa mensagem de Marcelo.

Oi Marcelo! Obrigado, mas eu não moro mais em São José dos Campos, estou em São Paulo agora e receio que irei para sjcampos a cada dois finais de semana. Se for possível para você nesse esquema poderemos marcar algo sim. =]

Claro, eu espero sua vinda. Meu interesse é passar uma noite com você. Gostei muito das fotos e do que li em seu blog...

A partir desta troca de mensagem eu e Marcelo ficamos em contato, pouco a pouco fomos descobrindo afinidades sobre filmes, gostos musicais, lugares, manias, seriados... Essa proximidade geralmente é perigosa, gera um sentimento de cumplicidade e carinho, mas que por necessidade e imposição nos estilos de vida seria quebrada num contrato social, eu entrava com o sexo e ele com o dinheiro.


MUDANÇA DE PLANOS...

No dia marcado para conhecer e passar a noite com Marcelo eu viajei para São José dos Campos a fim de encontra-lo. O encontro estava marcado para 20h, porém faltavam poucos minutos para as 18h quando recebi um sms de Marcelo informando que seu pai acabará de sofrer um enfarte. GOLPE! Eu pensei, mas minutos depois Marcelo ligou em meu celular aos prantos, ele estava sozinho em seu apartamento quando foi avisado pela mãe que mora em São Paulo. Tentei acalma-lo, mas parecia impossível, chegava a lhe faltar o ar... Desliguei o celular agoniado com a situação. Felizmente os vizinhos o acudiram e um primo o levou para São Paulo para acompanhar a internação de seu pai.

Uma semana se passou, eu e Marcelo ficamos em contato diário, ele totalmente desanimado com o quadro clinico de seu pai que não reagia as medicações e parecia vegetar

VOCÊ SABE REZAR? Perguntou Marcelo em uma das ligações.

Sim, eu oro a Deus todos os dias, a minha maneira.

Como faz? Eu confesso a você Eduardo que minha relação com Deus é tão distante. Nem orar ou rezar eu sei mais. Sinto que meu pai vai morrer. E não quero aceitar isso.

Sabe Marcelo, eu não sou espírita, mas me simpatizo com o espiritismo e acredito muito na filosofia espírita se assim posso chamar. Nós somos matéria, estamos aqui para nos melhorarmos enquanto pessoas, espíritos e depois partir. Mas também temos o poder se “segurar” alguém como um ente querido.

Como isso acontece?

Por meio do apego... As vezes a gente é egoísta sem querer ser. Desejamos tanto não perder alguém por medo, por amor, que esse “amor” prende a pessoa. Se você sente que seu pai quer partir tente liberta-lo. Não há uma receita para orar e rezar. É como um conversa com Deus, onde você expõe o que lhe aflige e pede sua ajuda. Peça para Deus te auxiliar no que for melhor. Vá ao leito do seu pai, segure em sua mão e converse com ele em pensamento. Diga que se ele quiser partir, que ele pode ir em paz. Que pelo fato de você ama-lo ele pode ir tranquilo.

O que me dói é que eu não fui vê-lo. Fiquei adiando minha viagem a São Paulo e quando fui encontra-lo foi aqui no hospital. Ele nem se mexe. Parece que ele sentiu que isso iria acontecer. Dias antes dele sofrer o infarto eu falei com ele por telefone e ele notou a minha felicidade. Me perguntou qual era o motivo de tanta alegria. Eu contei que havia encontrado alguém muito especial em minha vida. E por esses dias aqui no hospital minha mãe entregou uma carta que ele me escreveu. Ele diz na carta que sente que esse alguém me fará muito feliz, que é para eu preservar essa pessoa e que fica mais tranquilo por saber que finalmente encontrei minha felicidade ao lado dessa pessoa. Pra mim isso foi um aviso, uma despedida... Não sei dizer...

Naquela noite Marcelo despediu-se de seu pai, ele faleceu no dia seguinte. Foi doloroso, mas em suas ligações eu o sentia mais conformado.

Eduardo, eu só me sinto mais sereno por que você têm me acompanhado em todos os momentos. Você me devolveu a fé que eu havia esquecido. Falei de você com minha mãe e meu irmão, sobre suas palavras, eles pediram para te agradecer...

A promessa de um encontro entre eu e Marcelo após os dias de luto começava a ser refeita.


UM TUMOR QUE NÃO CHAMAVA AMOR...

Após o enterro de seu pai Marcelo passou a sentir um pouco de febre, dores no estomago e alguns episódios de vômito. Mesmo se sentindo mal ele resolveu voltar com a família para São Paulo, passou muito mal no voo de volta para Guarulhos e chegou a sair de maca do avião, foi direto para internação com a suspeita de dengue. Sua mãe chegou a ser advertida pelos funcionários da Cia aérea que ele jamais poderia ter voado em tais condições, pois apresentava riscos aos demais passageiros.
Marcelo ficou internado por dias e dias a fio sem que os médicos descobrissem a causa real de sua enfermidade. Após uma semana de mais exames foi constatado uma infecção aguda em seu estomago e um tumor ainda em estágio inicial, o diagnóstico infelizmente era de câncer

Chorando muito ao telefone ele me revelou seu desespero, perguntando-se se a morte do pai já não era suficiente. Por que Deus fez isso comigo? Já não basta a morte do meu pai?

Tentei tranquiliza-lo e sempre de forma racional tentei coloca-lo nos eixos. Argumentei que o ponto positivo era o diagnóstico feito de forma precoce.

Marcelo, há coisas que a gente nunca vai entender. Deus não matou seu pai. Ele sentiu dores, mas não quis ir ao médico. Você mesmo me disse. Seu caso é triste, mas veja por outro lado. Você poderá se tratar e certamente irá se recuperar disso. Quanto a seu pai, esteja certo que ele vai olhar por você. Ele descansou.

Com o diagnostico em mãos Marcelo foi transferido para o Hospital do Câncer em Barretos, os dias se seguiram com medicações e contatos diários entre eu e ele. Nosso sentimento um pelo outro só crescia. A primeira coisa que Marcelo vazia ao acordar em seu quarto de hospital era me chamar no whats app e dar “Bom dia”. Nossa proximidade estreitava-se cada vez mais, falávamos diariamente por celular e por e-mail. Trocamos fotos, áudio, vídeos... Meu sentimento e desejo em estar ao seu lado era pleno e constante. Para que ele nunca se sentisse sozinho em seu quarto de hospital eu passei a mandar fotos do meu dia a dia em São Paulo, juntos fomos a exposições, cafés, mercado. Ele viu meus pratos improvisados na cozinha e alguns selfies desajeitados.


PROTOCOLO QUEBRADO

Uma das regras entre um garoto de programa e seu cliente é nunca ter um envolvimento extra profissional, como por exemplo misturar o campo sentimental com o profissional. Claro que afinidades podem surgir, mas o contrato comercial tem que ser claro para ambas as partes. Essa não é uma regra respeitada fielmente, é comum gp’s e clientes se envolverem, mas eu diria que nesse terreno quem leva a vantagem é o garoto, pelo simples fato dele saber lidar melhor com essa situação e até manipular seu cliente para extrair vantagens, sobretudo financeiras.

Vale lembrar que isso varia muito de caráter, nem todo garoto é um aproveitador.

Esse protocolo havia sido quebrado entre mim e Marcelo e já nos víamos envolvidos emocionalmente. Diariamente eu sofria um pouco com sua agonia e dor. Participei mesmo que a distancia de suas primeiras sessões de quimioterapia e passei a pensar nele 24h do meu dia. Em diálogos com Deus tenho pedi e tenho pedido por sua recuperação.

Afeto, carinho, amizade, cumplicidade, paixão... amor. Os sentimentos transitaram por todos os estágios. Não sei dizer quem deu o pontapé inicial, mas o fato é que eu e Marcelo nos apegamos. O carinho e o amor por ele cresceu de tal forma que hoje são essenciais para mim. Mais que um desejo carnal, eu e Marcelo nos desejamos como parceiros para uma vida a dois. Temos feito muitos planos e assim que ele sair do hospital vamos colocá-los em prática. E mesmo que nem tudo saia como planejado, meu profundo desejo é que ele vença esse câncer.

A vida nos ensina muitas lições. Muitas delas nas pequenas coisas, nos encontros inesperados. Acho que saber ouvir nosso coração e ter disposição para mudar o curso de nossas vidas é um ato que demanda disposição, energia e coragem. Eu poderia me acomodar com Eduardo no comando de minha vida. Mas decidi mudar minha condição, quero voltar a existir, correr atrás de antigos sonhos, realizar novos projetos.

Certamente aprendi muito como garoto de programa, porém a vontade de retomar minha vida é maior que tudo. Por este motivo fecho esse ciclo de forma serena e tranquila. Otimista pelo fato de ter encontrado Marcelo, mas sobretudo, pela certeza de que estou pronto para retomar minha vida e o mais importante retomar curado de todas feridas que adquiri pela insanidade e inexperiência ao evoluir. Continuarei evoluindo, mas agora mais consciente.

Pode parecer louco, mas além da minha história com Marcelo tenho também muitos planos, vou finalmente poder fazer minha pós, retomar minha vida social e familiar, ler livros que engavetei, furar mais vezes minha dieta  e claro, poder me dedicar a alguém especial. Mas isso eu já comecei.
Eduardo deixará de existir no dia 15 de maio, de sua identidade guardei poucas lembranças e tratarei de selecionar as melhores.

A decisão em me tornar garoto de programa ocorreu por decepção, por necessidade, por descrença e sobretudo pela necessidade de ser outro, de sumir no mundo sem ter que morrer para isso. Foi na noite de 15 de março de 2012 que esse desejo explodiu dentro de mim, na ânsia de apagar quem eu era e me reescrever um outro eu me tornei Eduardo. Um rapaz sem passado, presente e sem futuro definido. Decidi vender meu corpo e sacrificar minha alma, passei a ser de muitos e na verdade eu não era de ninguém. As horas e os dias passavam e a cada nascer do sol e cair da noite meu espelho apagava a imagem que eu estava acostumado a conviver.

Busquei meios para me entender, não como homem que tem sentimentos, mas como um produto que muda sua fórmula, seu sabor, sua cor, seu formato, seu cheiro, seu rótulo... Rompi muitos casulos, criei asas e  muitas alcei voos que beiraram abismos. Por vezes me via em queda livre, mas como uma fênix renascia, mais fortalecido e maduro.

Com o tempo afastei-me dos meus projetos pessoais, dos meus sonhos e passei a viver a utopia de conquistar riquezas materiais as custas da minha carne que por vezes era sucateada. Não interprete essas palavras de forma pesada e nem como motivo de tristeza. Como garoto de programa eu cresci muito, conheci boas pessoas, que assim como eu buscavam preencher um vazio desconhecido ou apenas buscavam uma diversão diferente, um fetiche a ser realizado. Por vezes eu ri e me comovi com histórias compartilhadas. Por vezes eu dei e recebi afagos e carinhos dos clientes que conheci. Por vezes eu também me senti amado por desconhecidos.

Alguns desses desconhecidos eu vou carregar em minha memória e serão lembrados com saudosismo. Não sei de na outra vida eu vou transar tanto quanto nessa, mas posso dizer que conheci muitos homens, casados, solteiros, jovens, maduros, bonitos, feios, e de diferentes temperamentos. A todos procurei dar o meu melhor e a gentileza que tenho dentro de mim.

O ciclo se fecha de forma consciente de que preciso mudar, quero mudar. Minha imagem volta a ser refletida nos espelhos que esbarro e cada vez mais longe a imagem de Eduardo vai se apagando, dando adeus, certo de que cumpriu sua missão.

Eduardo nunca foi um personagem ou uma personalidade diferente da minha. Cria-se muito esse discurso em torno do garoto de programa e muitos deles ressaltam que quando trepam como gp estão de fato encarnados num outro. Eu confesso que até tentei invocar o tal Eduardo White como “entidade”, mas acho que nem trepando num centro de Umbanda eu conseguiria, eu me via no meu “eu mesmo” só que com outro nome...

Se fui feliz?

Sim, em muitos episódios eu fui feliz. Nutri sentimentos sinceros por meus clientes. Como André de Curitiba, com quem passei muitas noites, quando fui a Curitiba ele não me deixou sozinho em nenhum momento, tínhamos um carinho especial, dei a ele um apelido, desses toscos de namorado. Com Miguel eu o iniciei sexualmente e namoramos por três meses, foi especial, mas eu sabia que tinha tempo para acabar. Nos tornamos amigos e como presente dei a ele meus amigos pessoais. Com Cássio eu me senti exageradamente cuidado, partilhamos boas pizzas e boas sobremesas. Com Adair eu tomei alguns cafés acompanhados de chocolate e DVD de Elis na TV. Enumerar características e qualidades de pessoas que fizeram parte de minha vida como Eduardo, seria um árduo exercício. Houveram tantos momentos de entrega e por que não dizer alegria? Houveram também momentos de solidão, vazio e tristeza, como todo ser humano fica sujeito a tê-los, senti-los...

Felicidade é um estado de espírito que vêm e vai. O mais importante é sentir-se em paz, em equilíbrio consigo mesmo. O que foi feito de certa forma fará parte de nossa bagagem, e cabe a nós extrair daí algo para o crescimento pessoal. Em minha bagagem vão muitas coisas das quais talvez eu não bata no peito para dizer que me orgulho, mas me servirão para um futuro mais feliz...

Eduardo a partir de agora poderá ficar para trás como uma parte do que fui. Quero olhar para um futuro melhor, onde eu e Marcelo possamos renascer e juntos e partilharmos dias melhores. Espero futuramente voltar aqui com essa boa notícia.


Eduardo White – O garoto errado